carta para a amizade que perdi
a carta que nunca enviarei, pois cartas são meios de comunicação anacrônicos
oi,
tenho vontade de sentar e escrever longas cartas para algumas pessoas. não confundir com simplesmente conversar com a pessoa. é contar coisas no tempo de uma carta e na profunda pessoalidade desse meio de comunicação. o processo de sentar-me à mesa, organizar as folhas de papel. escrever e ir mudando de ideia enquanto escrevo, mas ainda assim seguir e revelar pela minha grafia o que é cansaço, tristeza, dúvida; o jeito como as letras se espalham pelas linhas. mas nunca mais escrevi cartas e essa é mais uma que nunca enviarei, pois cartas são combinam mais com nosso tempo.
queria te contar nesta carta que eu sou assombrada, de tempos em tempos, pelo fim da nossa amizade. um fim que eu tive que deduzir, a partir de uma série de percepções sobre o papel a que fui reduzida na sua vida. nunca nada foi dito para mim, nada que me pudesse ajudar a entender como o tremendo amor que eu sentia por nós juntos foi se tornando uma dúvida sobre meus erros. nada me foi dito para que eu pudesse, quem sabe?, me tornar uma pessoa melhor. mas quando olho os registros de nossas conversas nos aplicativos tentando achar uma frase mal colocada ou uma data comemorativa que eu devo ter esquecido, encontro apenas mensagens em que eu perguntava de você, em que eu dizia sentir saudades, em que sugeria que nos víssemos.
o estranho é que você respondia. parecia sempre adormecido à espera de eu revelar minhas saudades. mas nunca parecia disposto a sentir nada parecido por mim. uma preocupação sobre como estavam os dias de pandemia, talvez? um interesse sobre o relacionamento que você acompanhou acontecer. qualquer coisa. a receita daquele bolo que minha avó fazia. meu endereço novo para enviar o bibelô que acabou sem querer ficando contigo. sonhar que se está pelada na escola deve ser o mais perto do que eu sinto quando penso na nossa relação. me sinto vulnerável, perdida, sem entender como vim parar desse jeito aqui. e se ao invés de responder a esta carta você me mandasse um e-mail? eu leria. qualquer coisa que você quisesse me contar me faria bem.
é porque eu lido mal com fins de amizades. fui descobrindo nesses últimos cinco anos que cada amizade que acaba me deixa um pouco confusa. eu já devo ter te contado sobre a vila na qual fui criada, sobre como acredito que há muito ali com que se romper, e que foi com meus amigos que descobri que ser eu podia ser bom (com meus amigos e com a rita lee, pra ser mais honesta). sem vontade de ser mãe, vinda de uma família pequena, eu acredito (acreditei?) na supremacia dos laços de amizade sobre as rotinas de casal, as obrigações familiares. foi o jeito que eu aprendi a procurar - e várias vezes encontrar - felicidade. mas e se for verdade que eu sou uma amiga ruim?
a graça de escrever cartas é que elas podem ser rasgadas, queimadas, rasuradas e nunca enviadas. pois no meio de todas essas dúvidas, desse medo que eu sinto do abandono, dessa vontade incorrigível de contar a quem me importa como eu me sinto, eu sei que foram cinco aninhos bem miseráveis. e corre-se o risco que essa tristeza que venha por causa da nossa distância seja apenas a tristeza de eu entendendo o que sou ou não capaz de entregar em uma relação. se ainda houver algo aí para mim (uma explicação, uma música ou só o bibelô na sua gaveta), você sabe meu e-mail.
um abraço,
babi.
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▶ Acho que a grande surpresa na música esse ano - até aqui - foi o álbum Diamond Jubilee de Cindy Lee. Eu gostei dele como um todo, nas suas 32 faixas e mais de 2 horas de gravação. O grande estranhamento fica por conta da ausência completa dele nas plataformas, exceto no YouTube como uma “tripona". Nesse caso, seu dedo torna-se a agulha do toca-discos que vai manualmente mudar de faixa com uma precisão questionável. É possível comprar ou baixar o álbum entrando num geocities com cheirinho de 2003. Resumindo: para ouvir esse álbum você precisa fazer algum esforço, você precisa no mínimo querer escutá-lo. Ele não vai chegar a você numa playlist, num pop-up, numa sugestão algorítmica. Pra entender qual é a do disco, quem é Cindy Lee, e outras referências do álbum, recomendo a resenha no site Música Instantânea, escrita por Cleber Facchi.
▶ Se você chegou até aqui, queria pedir um favorzinho. Estou participando de um concurso de fotografia analógica no instagram e, pra ganhar, a minha foto precisa ter mais curtidas que as outras. Pedindo aqui na base do famoso NÃO CUSTA TENTAR. :)
você colocou em palavras coisas que sinto em mim. estou e estive dos três lados, da pessoa que se afastou aos poucos e que entende que não cabem explicações, da pessoa que foi afastada e não consegue pescar um motivo claro e da vida que simplesmente afastou os envolvidos e você não conseguiu manter uma proximidade digna de amizade. acho os três cenários dolorosos. entendo que faz parte do tempo, mas queria que tudo permanecesse igual, cultivando aquela conexão inexplicável com as pessoas que amo para todo o sempre. sempre tem uma amizade que dói mais. aquela amizade que preencheu um pedaço da gente que nenhuma outra conseguiu.
Babi, uma coisa que aprendi ao longo da vida é que, muitas vezes, o problema não está na gente. Certa vez, uma amiga muito querida se afastou de mim sem que eu entendesse o motivo. Quando, finalmente, consegui falar com ela a respeito, ela me disse “Lalai, nem tudo gira ao seu redor, nem sempre é sobre você.” Foi uma das frases mais sábias que ouvi e levo comigo desde então. Sei que amizades que terminam são difíceis de lidar, eu mesma lidei há pouco com um fim (e até escrevi uma Espiral a respeito), mas pela sua carta me parece que você sempre esteve presente e o outro não. Então me parece ser mais sobre ele e não sobre você. ❤️