recolhendo cacos, pela hidrovia e a pedra filosofal da música
Segui adiante porque era só o que nos cabia fazer. Cada um de nós seguiu adiante e descobriu que a normalidade é algo que a gente inventa para não pirar. Comparadas a três anos atrás, de fato, as coisas estão normais. Mas vez ou outra eu ainda preciso parar um pouco para recolher uns caquinhos de mim mesma, ver se ainda servem ou se sigo sem essa parte que perdi. Do nada, chorei em um show pensando no quanto as pessoas são destinadas à felicidade e como em uma determinada parte da nossa vida foi preciso abrir mão disso. Eu estive muito sozinha naqueles anos e, sem juízo de valor sobre se é bom ou ruim ficar sozinha, sinto que fui transformada radicalmente nesse processo. Conviver diariamente com muitas pessoas me leva de vez em quando a um tremendo estado de exaustão. Minha tolerância ao álcool regrediu aos patamares da minha adolescência. Aceitei que sou também um corpo e tento cuidar dele; às vezes meu cérebro vira uma geleia, tento cuidar dele também. Seguir adiante pode ser extenuante, mesmo quando é a única coisa que nos cabe fazer.
Essa semana terminei de ler África Brasil: um dia Jorge voou para toda a gente ver, escrito pela jornalista Kamille Viola e publicado pelas Edições Sesc. O livro, como se pode prever, se debruça sobre o álbum África Brasil de Jorge Ben Jor, mas vai além. Conta a história do artista, sua trajetória musical até aquele seu décimo quarto disco, mas com foco principal no período de A tábua de esmeraldas (1974), Solta o pavão (1975) e África Brasil (1976).
É improvável sair dessa leitura sem achar que Jorge Ben era o artista verdadeiramente capaz de unir todas as tribos. Nos anos 1960, ele frequentava os principais programas musicais como o Fino da Bossa (com Elis Regina e Jair Rodrigues), Jovem Guarda (com Roberto, Erasmo e Wanderléa) e no Divino, Maravilhoso (com Gil e Caetano). Da mesma maneira, o livro termina avaliando a importância da música de Jorge Ben nas gerações seguintes: Nação Zumbi, Skank e Racionais MC’s são alguns grupos, com sonoridades muito diversas entre si, que defendem musicalmente o legado do compositor.
Saí da leitura também pensando que Jorge Ben não só dá poucas entrevistas, como também se mostra pouco disposto a desmentir o que falavam dele. Se a partir de suas músicas um jornalista supunha que ele tinha duas namoradas (Domingas e Teresa), ele confirmava, mesmo que fossem dedicadas à mesma Domingas Terezinha, que viria a ser sua esposa. Se criavam uma interpretação que dizia que ele era um músico criativo mas sem conhecimentos formais de música, ele não negava. Mesmo que Jorge tenha vindo de uma família de músicos e teve uma sólida formação no seminário. É essa passagem pelo seminário, inclusive, que Kamille Viola associa aos estudos dele sobre alquimia que se desdobraram naqueles seus três álbuns e aos interesses principais de suas letras (como por exemplo, o amor romântico e os duelos entre guerreiros as partidas de futebol).
Aproveitando o tema, Jorge Ben Jor também é personagem do meu episódio favorito do podcast Projeto Querino, do Tiago Rogero. Pra quem é de São Paulo, de vez em quando rola a festa Lado B do Ben & o som dos Bailes no Tipitina Bar em Pinheiros. E se por acaso alguém quiser me presentear com um ingresso pro Coala, Jorge Ben se apresenta no festival no domingo, dia 17.
Que gostoso te ler! Sou super fã de Jorge Ben tbm 🖤
Esse episódio do Projeto Querino é um dos melhores episódios de podcast dos últimos tempos.