ouvido ruim, nuvem na serra e rádios alemãs
Uma infecção no ouvido esquerdo agravou nas últimas semanas a minha já parca audição nesse ouvido. Passei dias escutando muito menos do que o comum (um comum tão comprometido que quando quero dormir em um lugar barulhento, basta deitar a cabeça sobre o ouvido direito e ficar em paz) e ainda não sinto que voltei ao estágio anterior de audição.
Aprendi a falar otorrinolaringologista talvez mais cedo do que a maioria das crianças pela constância nas consultas a esse especialista. Aos meus seis anos, o otorrino - apelido amigável ao médico de nome ingrato - já tinha decidido que, para melhorar minha respiração, era aconselhável retirar minhas adenoide e amídalas, o que de fato foi feito. Por outro lado, apesar do diagnóstico que recebi de tímpano perfurado naquela mesma época, a opção nesse caso foi por não fazer cirurgia alguma. Foi assim que me habituei a escutar muito mal do ouvido esquerdo.
Mas nessas últimas semanas isso ficou muito pior enquanto o antibiótico cumpria sua função de exterminar a colônia de bactérias instalada em meu ouvido, provavelmente depois de um mergulho em que entrou água no orifício. Nesses dias, se algum barulho vinha do meu lado esquerdo, eu olhava sobre o ombro direito, porque não entendia de onde vinha o som. Participar de qualquer conversa era extenuante; andar na rua uma tortura sonora com sons indistintos. Não tinha vontade de ouvir músicas ou podcasts. Queria me rodear de silêncio apenas, mas fiquei presa em barulhos, ruídos, graves e agudos desagradáveis.
Numa dessas manhãs de ouvido infeccionado, fui ao sebo ver se podia trocar alguns livros que não me interessavam mais por outros. Percorri a loja animadamente, um espaço quase totalmente vazio e, assim, quase silencioso no centro da cidade. Separei um punhado de revistas dos anos 1970 e 1980 para levar para casa e ter mais matéria-prima para colagens quando o dono do sebo me fez uma pergunta. Momentos antes, esse homem que certamente tem mais de 70 anos de idade havia sido ríspido ao definir quanto eu poderia gastar naquela troca na loja. Usando máscara cobrindo nariz e boca, ele me perguntou algo que eu simplesmente não consegui escutar. Eu disse: “desculpe, não entendi, não estou ouvindo nada neste ouvido”. Ele então tirou a máscara, repetiu a pergunta e, abaixando-se um pouco na minha direção, apontou para o aparelho de surdez na sua orelha. “Estamos iguais, então”, eu falei, e enquanto compartilhávamos um sorriso cúmplice, respondi a pergunta que ele havia feito.
Eu aceito a pecha de que tenho minhas idiossincrasias. Uma delas é que, apesar de não esperar muito da vida, tenho uma meta bastante específica. A vontade de aprender um novo idioma a cada nova década que eu viver. O idioma dos anos 30 calhou de ser o alemão. Mas, trabalhando presencialmente 8 horas por dia, aprender as declinações da língua germânica é uma meta tão improvável quanto a aposentadoria para a geração que nasceu entre os anos 1980 e 1990.
Para ser minimamente realista, convenço-me de que, se até os 38 anos, eu não conseguir ler um livro em alemão, devo migrar para francês ou italiano e botar fé na raiz latina dos nossos idiomas. Mas para sentir que o pouco que já sei de alemão não é insuficiente, eventualmente escuto rádios da Alemanha enquanto trabalho. Costumo fazer isso no site TuneIn, onde dá para escutar rádios de várias partes do mundo. Afinal, além de escutar pessoas falando coisas que eu não entendo, também sou grande entusiasta dessa mídia que surgiu nas ondas invisíveis do ar.
PS: Outro dia acordei com alguém solicitando para pagar por essa newsletter. Da mesma forma que me falta tempo para estudar alemão, também não consigo garantir conteúdo exclusivo para assinantes da sintética. Então, queria só aproveitar para agradecer aqui quem se dispôs a colaborar financeiramente com a minha escrita na internet. (:
Que dica maravilhosa essa do site de rádios! Obrigada! 🫶