escritora fantasma, paisagem matutina e amar vulcões
Quando, no auge da minha maturidade aos 17 anos de idade, decidi o curso que estudaria na faculdade e a carreira que eu seguiria, a profissão que eu tenho hoje sequer existia. Ao contrário de uma datilógrafa de fim dos anos 1980 que não imaginou que se tornaria obsoleta no momento em que todo mundo da firma tivesse acesso a teclados em seus próprios computadores, eu fui descobrindo o trabalho com escrita na internet conforme o próprio campo foi se formando.
Aos 17 anos, eu era uma aluna consistente nas matérias escolares, mas certamente sabia que me divertia mais com História e Língua Portuguesa. Não querendo arriscar estudar Letras e achar meu próprio idioma uma chatice mortal, resolvi prestar vestibular para História, porque, afinal de contas, tudo tem um passado digno de ser estudado (os territórios, os idiomas, as artes, a ciência, a própria disciplina História).
Foi mais ou menos nessa época também que eu comecei a sair com meus amigos para ver peças de teatro e exposições pela cidade. E, cada vez que eu recebia o programa de uma peça, eu pensava que eu poderia gostar de trabalhar com aquilo; eu gostaria de escrever textos de programas, explicando mais ou menos do que se tratava aquilo que víamos diante de nós. Só que eu não fazia ideia de como eu me transformaria de uma estudante de 17 anos para uma pessoa que escreve textos miúdos e anônimos que vão parar em programas de peças teatrais.
Minha vida foi acontecendo nesses anos todos de tal maneira que vim parar na função de analista de redes sociais (acho que esse é o nome do meu trabalho, afinal). E, nesse cargo, uma das coisas que faço é escrever textos miúdos e anônimos sobre produções culturais. Sinto uma satisfação engraçada com isso. É como se eu tivesse então descoberto como as pessoas se transformam em escritoras de sinopses, como se eu mesma tivesse feito o que eu considerava extraordinário virar ordinário na minha rotina. Mas a satisfação está principalmente no anonimato da atividade.
Como um ghost writer bem sucedido, às vezes eu esboço um sorriso quando vejo alguém que conheço e até admiro interagir com os conteúdos que subo nas redes sociais do trabalho. Gente que nunca soube ou sequer se lembra que eu existo. Pessoas que nunca suporiam que há adolescentes por aí pensando “como será que eu posso escrever sem precisar que saibam quem eu sou?”.
O filme Fire of Love tem uma tradução que eu considero meio ruim pro português: Vulcões: A Tragédia de Katia e Maurice Kraff. Apesar disso, “Fogo do amor” seria um nome sofrível também, então peço que considerem a recomendação mesmo que o nome pareça desinteressante ou super alarmista.
Além de ter sido um dos queridinhos da mais recente edição da Mostra de Cinema de São Paulo, também foi indicado ao Oscar de Melhor Documentário. Por se tratar de uma produção National Geographic, ele está disponível no Disney+ (e certamente nos caminhos da ilegalidade da pirataria para os que ainda circundam esses mares revoltos). Apesar de muitos de nós termos como referência de documentários de “natureza” a narração em off que conta a história de algum leão na savana com nome de gente e dilemas burocráticos (algo no estilo: “O leão Charlie sairá hoje para caça, e dependerá de muita sorte para conseguir alimentar sua família com a carne de uma gazela distraída”), esse filme tem na versão original a voz de Miranda July contando a história do casal Katia e Maurice Kraff.
Conforme adiantado pelos títulos do filme em inglês e em português, tem amor, tem vulcão e tem tragédia. Mas essas três palavras não dão conta da beleza e da sutileza desse filme. Mais do que falar de um casal de vulcanólogos franceses, o filme conta dos movimentos das placas tectônicas, da importância da ciência e da comunicação das descobertas científicas e do fascínio infantil pela natureza (e que eventualmente se transforma em amor e pesquisa). O texto da diretora Sara Dosa complementa as imagens de arquivo do casal e esses dois elementos dão para esses personagens vestidos como astronautas perante fossos que cospem lava uma história fascinante.
Olá! Gosto muito dos seus textos.
Eles prendem minha atenção do início ao fim. Obrigada por escrever e divulgar!