conversas difíceis, recepção carioca e um encontro familiar com a morte
Crio conversas difíceis na minha cabeça. Conto o que penso, o que acho que deveria ser diferente. Você sente que vale mesmo à pena se dedicar tanto assim ao trabalho? É recompensador não deixar um pouco pra lá? Meus interlocutores não me respondem. Me preocupo muito, tento achar soluções para problemas que não são meus. Será que essa sua opinião não é uma autossabotagem? Será que, no fundo, esse jeito que você tem de se expressar não disfarça o pavor que tem de rejeição? Crio conversas difíceis na minha cabeça e as deixo lá, só lá. Ninguém me responde. Penso muito nas coisas que me dizem, mas tenho medo de me meter, de incomodar. Como se invadisse suas casas e dobrasse suas roupas, acumuladas em um móvel ao longo de toda a semana. Nas conversas difíceis que crio na minha cabeça, exponho o que penso. Enfrento o medo, bem fundamentado, de contar o que acho. Comunicação é ruído e não quero ser um som mal compreendido dentre todos os barulhos ao nosso redor. De todos os problemas que tento resolver com perguntas retóricas, de todos os problemas que quero buscar suas origens, poucos são realmente meus. Por mais que eu goste da sensação de resolver enigmas, recebo pistas insuficientes dos problemas dos outros. No fim das contas, as conversas difíceis que eu crio na minha cabeça só são capazes de me mostrar o que me incomoda. Ali, ninguém me responde. Porque não há esfinge que me diga se estou no caminho certo.
Durante nosso café-da-manhã num sábado com a maior onda de calor da série histórica, Glênis me recomendou um filme. Disse que as últimas fotos que eu tinha postado no meu instagram a fizeram lembrar dele e que talvez eu gostasse também. O filme se chama A metamorfose dos pássaros e aqui tem um trailer.
Trata-se de um documentário, mas que não se apega muito à verdade. Dirigido por Catarina Vasconcelos, a obra é produzida em Portugal, falada em português (horrível dizer isso, mas, sim, assisti com legendas). O mais estranho é que não há uma só tomada que seja feia ou fora de propósito. O texto que conduz o filme é bastante poético, parece um ensaio, fala do amor a partir da história dos avós da diretora, e depois do pai, e então da mãe. Fala da morte também, da passagem do tempo.
Vale dizer, porém, que filme é bem lento, talvez muita gente ache um saco. Mas terminei de assistir pensando “se fosse pra fazer cinema, eu quereria produzir algo assim”. Existem muitos documentaristas que se debruçam sobre as histórias de suas famílias e às vezes o fazem com um pouco de culpa de classe ou elogio à sua linhagem. Catarina não faz nenhuma das duas coisas. Parece motivada a contar a história da família para entender a morte da mãe, criando um laço com seu próprio pai, que sofreu a perda da mãe. Sua família não parece muito melhor do que nenhuma outra. A avó reza sempre, os adolescentes discutem com os pais. E, como ela mesma diz: os humanos, quando não entendem algo, inventam. O tempo, a morte, o amor, deus, afinal.
(A Netflix me avisou ao final da exibição que ele fica no catálogo deles só até dia 4 de novembro. Repasso o informe a quem interessar)