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Por motivos alheios à minha vontade, deixei de lado um dos meus hobbies favoritos que era estudar alemão. Mas dia desses vi o pôster do filme "Ainda estou aqui" na Alemanha e achei curiosa a decisão por dar a ele o nome "Für immer hier" ("Para sempre aqui"). Me causou estranheza, porque na minha cabeça parece mudar um pouco o próprio filme. Ainda estar aqui é diferente de estar aqui para sempre. Eu posso passar muito tempo pensando nas escolhas que as línguas fazem. Um exemplo que sempre me volta à mente foi daquela vez em que entendi algo sobre como os idiomas lidam com a "padaria". Em português e em espanhol, o lugar que compramos pão é qualificado pelo objeto que se produz e se vende lá dentro (PT: padaria-pão/ES: panadería-pan). Já no inglês e no alemão, não é a coisa, mas a ação de assar (backen/bake) que define o nome do lugar (ALE: Bäckerei-backen/ING: bakery-to bake).
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Quando estávamos entrando na adolescência, meu amigo me chamou num canto, numa festa. Lembro até hoje. Ele me disse que eu devia evitar palavras difíceis, que era muito chata essa minha mania de falar palavras difíceis na frente de outras pessoas da nossa idade. Isso poderia ter sido uma espécie de alerta do imbecil que ele estava se tornando e de como a ruptura da nossa amizade seria um fato incontornável pouco tempo depois. Mas eu era ainda muito jovem, ou então muito ingênua. Imaginei que ele pudesse ter alguma razão, mas não do jeito que ele imaginava que tinha. Afinal, as palavras difíceis que pareciam gerar desconforto eram um interesse pessoal meu. Meus novos brinquedos depois que bonecas e pelúcias já não me satisfaziam mais. As palavras me pareciam divertidas, me estimulavam. Portanto, eu não as abandonaria, mesmo com a ameaça de um degredo nesse novo contexto social de pessoas com braços longos, aparelhos nos dentes, rostos cheios de acne e estrias de crescimento. Aquela conversa me serviu para, ainda novinha, aprender na prática algo basilar em teorias da comunicação. Nem toda palavra cabe bem a qualquer circunstância e o que quer que se diga pode ser dito de maneiras diferentes para públicos diferentes.
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A ironia é uma arma muito perigosa e, como tantas outras armas, ela pode explodir na sua cara antes que você consiga mirar o alvo inimigo. Para ser bem usada, a ironia depende de você estar diante de um público que compartilhe contigo certas referências, de modo que você não saia com uma fama injusta, a fama de ser aquilo que tentava ridicularizar. O segundo ponto é que a ironia não pode ser uma metralhadora desenfreada. Pois, ao invés de parecer hábil com as palavras, sagaz e inteligente, vai parecer apenas alguém muito violento. A ironia é tão perigosa que se ela for mal usada acabará por escancarar seus medos, seus preconceitos, seus calos mais doloridos diante de uma audiência ansiosa por saber suas fraquezas. É nessas horas que uma criança avisa: "O rei está nu!"
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▶ Das séries que vi no ano passado, How To with John Wilson é a que mais aparece nas minhas conversas. O estranho é que ninguém nunca viu essa série (pelo menos não inteira) e daí acontece alguma coisa curiosa e eu digo em voz alta “tem isso em How To!”, tento convencer a pessoa de que vale a pena assistir, são seis episódios por temporada, 30 minutos cada e espero até o próximo momento em que essa cena se repetirá, porque todo mundo segue sem vê-la. Eu penso muito nela também pois se trata de uma série totalmente inviável em um contexto de direitos de uso de imagem como o do Brasil. Claro que quem não trabalha com audiovisual não vai dar a mínima para isso, mas pensar que o cara fica gravando a própria vida e a vida alheia sem precisar andar com um calhamaço de autorizações de uso de imagem soa disruptivo para mim. Meus destaque dentre os episódios são: S01E05 - Como dividir a conta, S02E03 - Como encontrar uma vaga para estacionar e S03E05 - Como observar pássaros. A estrutura dos episódios me lembra o clássico desenho Os Simpsons, em que o jeito como a história começa não tem nada a ver com o jeito como ela termina. Coisas acontecem no meio. As pessoas são fascinantes. A vida é uma comédia do absurdo. Nova York parece ter rato demais.
▶ De modo geral, eu sou contra jogos de videogame que emulam trabalho. O que não quer dizer que eu não caí na armadilha de, no recesso de fim de ano, baixar um jogo de 2015 em que você precisa procurar materiais de vídeo em um arquivo (exatamente o trabalho que eu tinha dez anos atrás). Em Her Story, você basicamente tem acesso a um computador velho da polícia com trechos de depoimentos de uma mulher sobre um cara chamado Simon. Os trechos aparecem como resultados de busca conforme você vai sugerindo palavras-chaves. Levei mais ou menos três horas pra entender qual era a história da mulher (que é o objetivo do jogo, afinal) e mais umas três horas pra conseguir ver todos os trechos, pois minha vida não seguiria adiante enquanto eu não desvendasse essa. A dica veio da newsletter da Laurinha Lero. Agora tô esperando os demais jogos que ela indicou entrarem em promoção.
▶ Por falar em jogos e em palavras, da última vez que minha amiga Geórgia esteve em minha casa, ela deixou como legado me viciar em Strands. Eu sei que haverá um dia, cada vez mais próximo, em que terei que acordar às 6h da manhã para cumprir com todos os jogos de palavras que tenho abertos em abas do navegador no celular. Depois de Termo, Wordle, Soletra, chegou a vez do caça-palavra temático do New York Times. A palavra como hobby.
Adorei as dica de jogos! Sou uma pessoa pouco gamer que sempre fica encantada com as possibilidades narrativas do meio. Recentemente joguei um fabuloso: você é um Mestre Artista trabalhando num monastério produzindo iluminuras, e precisa desvendar o mistério do vilarejo, bem na época da Reforma e Contra-Reforma e do surgimento dos tipos móveis. Também está no tema palavras, acho que você ia gostar!
"How to" realmente boa demais, a maneira como as coisas descarrilhavam podia ser ao mesmo tempo muito triste/muito engraçada/muito bonita