como me tornei são-paulina, época de pitangas e um passeio virtual
Algumas dizem que foi o pai que as ensinou a amar o time de coração, a acompanhar no estádio, a gritar gol como se aquilo fosse a coisa mais importante do mundo. Eu não posso dizer isso. A história da minha relação com meu time de futebol é a história da primeira vez em que eu estabeleci relações causais e decidi algo por mim mesma. Ainda não tinha seis anos de idade.
Na família de meu pai as pessoas torciam para o Corinthians, na de minha mãe para o Palmeiras. Parecia que eu teria que escolher em algum momento qual ganharia meu coração dentre essas duas opções. Mas eu fui uma criança que viveu a conquista do tetra. Apesar de na época ter só quatro anos, me lembro de como nós no jardim de infância começamos - meio do nada? - a gritar “É campeão! É campeão!” no dia seguinte à conquista, talvez emulando o comportamento dos adultos que vimos no dia anterior. Eu, portanto, morava no Brasil e torcia pelo Brasil. E, se eu morava em São Paulo, o certo era também torcer pelo São Paulo. Da mesma forma que eu dizia “não é um carro, é um fusca!”, me parecia que o São Paulo não era um time de futebol, era a seleção da cidade de São Paulo!
Eu fui a primeira são-paulina da minha família, e, lá em casa, ninguém ligava tanto assim pro esporte bretão. Por isso, minha primeira comemoração de título foi em 1998, quando o São Paulo ganhou o Campeonato Paulista e a irmã Auxiliadora, uma das freiras do colégio onde eu estudava, botou o hino do clube no alto-falante e saiu correndo pelo pátio na hora do recreio com uma bandeira com o escudo do time. Uma loucurada. Naquele dia, foi a primeira vez que achei muito legal ter um time e ele ser o tricolor paulista.
(Claro, a ideia de escrever sobre isso veio no meio das celebrações do dia mais recente em que foi ótimo ser são-paulina: o domingo da conquista da primeira Copa do Brasil)
Tenho um apego às abas abertas em navegadores. Criada na era do hyperlink, saio clicando em tudo que vejo (parcialmente mentira, porque também cresci na era do as fotos da festa ficaram ótimas.exe) e acumulo sites abertos em todas as partes. Alguns, que parecem mais interessantes e demandam atenção, mando para mim mesma no whatsapp ao fim do expediente e, invariavelmente, esqueço que mandei. Lembro somente em ocasiões especiais: quando vou parar em alguma sala de espera despreparada sem livro nem fone.
Foi assim que cheguei às atuais 37 abas abertas no navegador no meu celular. Algumas sugestões de exercícios físicos, jogos de raciocínio organizados em grupos (sudoku, termo, waffle, colorfle, pros curiosos), receitas para aproveitar o fermento natural que mora na minha geladeira, notícias velhas variadas, poetas cujos nomes não queria esquecer (Mary Oliver, Wendy Cope), lembretes de atividades que me interessam. E um passeio virtual pelo Museo Frida Kahlo no México.
Quando fui à Cidade do México, as duas filas na frente da antiga casa de Frida me desanimaram de entrar. Entre ficar esperando fitando os que compraram ingressos antecipadamente e junto dos que como eu entregam suas vidas ao acaso e arriscaram aparecer do nada por lá, preferi ir à Cineteca Nacional de México assistir a algum filme (no caso, Mes nuits feront écho, de Sophie Goyette). Valeu a troca, e, anos mais tarde, esse link de um passeio virtual pelo museu chegou até mim.
Sim, acho que essa aba está aberta no meu celular desde 2020, porque não sei quando vou querer novamente ver como é a cozinha amarela na casa azul de Frida Kahlo. Tenho um punhado de opiniões sobre a pintora, o uso de sua imagem na cultura pop, seu papel simbólico na onda feminista que vivenciamos na década passada. E percorrer virtualmente esses corredores vazios, também me leva a pensar sobre esses museus-casas (de mulheres?), na criação de uma mexicanidade em Frida (que optou por usar seus nomes alemães para ser reconhecida artisticamente), nos altares que honram os mortos naquele país e a transformação de uma casa nessa forma de reverência.
PS: Entre uma edição e outra desta newsletter, rolou o lançamento da Gaveta, uma publicação bianual organizada por Guilherme Falcão. Eu participo dessa primeira edição (VAZIO/Void/Vide/Vacío) com um texto sobre o tempo (ou os fins dos tempos). Uma baita honra pra mim! :)
Você conseguiu descrever nessas pitadas sobre a Frida, alguns incômodos que também sinto com o uso da imagem dela, mas que nunca havia refletido o porquê. 😬
Cara, escolhi o São Paulo pelo mesmo motivo, quando era criança. E também sou adepta das milhões de guias abertas no navegador do note, no caso. Sempre sobre assuntos que "preciso" ler, ver, fazer; e nunca visitados. Rs...