ambos os lados da vida
Um balanço sobre 2024, um ano em que tentei muito, falhei bastante e vivi o intangível
I
Comecei o ano de 2025 dedicada a descobrir como dividir a conta da festa de dois dias antes. Passei horas, umas 3, eu diria, montando uma planilha com duas abas. Eu tinha que entender do que eu precisava para chegar ao resultado final. (para situar o leitor, acho que vale dizer que eu sou formada em História e trabalho com comunicação). Na primeira aba, montei uma tabela onde descrevi todas as despesas e quem as pagou. Na segunda aba, todos os participantes da festa, quanto cada um devia pagar, quanto cada um tinha pagado. Fórmulas que dessem conta desses números todos. Fiz uma graça, descobri como resolver o problema. Foi uma questão de Enem infligida por mim a mim mesma de forma totalmente voluntária. Ao final, me senti feliz como se eu tivesse terminado o sudoku do dia no modo avançado. Na era do auto-diagnóstico, eu diria que tendo a comportamentos obsessivos. Não consigo parar de pensar em um problema se imagino que sou capaz de encontrar uma solução para ele.
II
Em 2024, eu tentei e falhei. Poderia resumir o ano meio que assim mesmo. Fiquei satisfeita por ter tentado, o que, ao fim e ao cabo, significou uma luta contra a apatia e a inexorabilidade dos dias. Se em 2025 eu pretendo batalhar contra o cinismo que nos invade em momentos difíceis, tentar coisas novas parece um jeito de me obrigar a um movimento mais propositivo. Mas, em 2024, muito do que eu tentei deu errado. Tentei emplacar novos projetos, achei que eu devia mudar radicalmente minha vida. Não consegui. Talvez a melhor coisa de envelhecer é fracassar sem sentir o desespero que eu sentia na juventude. Falhei. Em 2025 espero seguir tentando - e também seguir desistindo quando não tiver nem ânimo de tentar, claro. Se falhar, paciência. Não foi a primeira e periga não ser a última vez.
III
Um grande feito de 2024, porém, vale ser destacado: li Guerra e Paz de Liev Tolstói. A proposta era a de que um capítulo do clássico russo fosse lido por dia e consegui terminá-lo na última semana do ano. Não li todos os dias, estou muito velha pra lidar com coisas como lição de casa (sobretudo as coisas que faço no meu escasso tempo livre). Fiz pausas mais significativas nas semanas em que estive de férias e não li quando tudo parecia pesado demais para mim. Ler um clássico é sempre um desafio pois nem sempre os temas e as traduções conversam com o nosso tempo. Mas uma edição parruda com notas de rodapé para contextualizar o leitor e atualização do vocabulário ajudam um bocado. Ao longo da leitura, achei curioso como os incômodos que Tchekhov sentia com os médicos Tostói não escondia sentir com os historiadores. Ele constrói dezenas de personagens maravilhosos, todos imbuídos de algum grau de dignidade. Nobres, campesinos, meninas, rapazes, generais e prisioneiros de guerra. Até Napoleão, meio tonto invadindo a Rússia no inverno, parece menos detestável para Tostói do que os historiadores que se puseram a escrever sobre as Guerras Napoleônicas (e a inventar que o próprio Napoleão era algum tipo de gênio). Como disse lá em cima, sou formada em História. Nunca pude imaginar que, depois de mais de 10 anos da formatura, me entreteria tanto com as críticas de alguém à historiografia francesa do século XIX como aconteceu durante a leitura de Guerra e Paz.
IV
Em 2015, Joni Mitchell sofreu um aneurisma cerebral. Reclusa desde 2007, depois desse fato a artista perigava nunca mais cantar ou andar. Por alguns anos, tive um blog com o nome de uma de suas músicas, cuja letra conta a história de uma mulher (ou de várias, na verdade) que se encontra e desencontra com homens enquanto está ocupada sendo livre. Muitas músicas de Joni me afetam profundamente. Quando ela diz em “River” que é egoísta e está triste e só quer patinar enquanto cortam árvores e cantam músicas de paz e alegria, eu sei que estou diante da única canção de Natal possível. Por isso, de todas as lágrimas que chorei em 2024, aquelas relacionadas com Joni Mitchell cantando Both Sides Now na cerimônia do Grammy são as mais sublimes. Composta antes de Joni ter chegado aos 30 anos de idade, aos 80 o verso que diz “eu agora vi a vida de ambos os seus lados” ganha outro significado.
V
Me conhecendo e sabendo da minha tendência comprovada nada cientificamente a comportamentos obsessivos, não traço metas para o ano novo. Espero que o melhor aconteça e que eu tome decisões boas ao longo do caminho sem ter muita noção de qual seria o objetivo final. Dito isso, para 2025 optei por tentar parecer mais com o personagem de Jeff Bridges em O Grande Lebowski. No filme dos Irmãos Coen, The Dude luta contra niilistas, não atura o desrespeito de terem urinado no seu tapete e joga boliche com os amigos. Pra mim tá de bom tamanho.
Se precisar dividir contas complicadas de novo tem um app muito bom chamado split wise.
Nunca li guerra e paz, o tamanho me espanta, mas com seu comentário fiquei curiosa (também sou historiadora).
Bom 2025!
Texto mui lindo. Both sides now e Joni Mitchell, que emoção. Lembro dessa canção embalando o choro da personagem de Emma Thompson, no filme Love Actualli. Um clássico. Abraço.