a mudança, um broto de abacate e os poderes da república
Completou-se um ano da mudança e eu já sonhei que a minha casa é o lugar onde eu moro. É algo consolidado, me tranquiliza. Eu queria escapar de Virginia Woolf, mas tudo o que penso sobre isso me leva pro seu texto sobre ter um quarto para si. Não à toa, percebo agora, por muitos anos todos os textos ficcionais que eu escrevia tinham casas como personagens principais. Todos os textos ficcionais que escrevi perdi por aí (eram bem qualquer nota). Escrevia para contar algo sobre mim, parece, e só para mim. A vontade de ter algo que eu não sabia que era possível: um lugar para ser eu, plenamente. Me perguntei num sábado de sol se eu estava triste, desanimada porque tinha passado a tarde deitada, lendo livro na minha cama. Eu não estava triste; eu só estava em paz. E isso era estranho. Não há nada mais íntimo e mais revelador sobre mim do que os lugares onde morei. Mas há coisas sobre as quais eu ainda não consigo escrever, nem como ficção.
O lado bom de ter cursado História na faculdade é que os últimos anos da política brasileira foram apenas "anos da política brasileira". Saí com alguns traumas e arranhões, desenvolvi alguns hábitos esquisitos, mas não pensava sobre como os historiadores do futuro terão trabalho para explicar o que estava acontecendo entre 2013 e 2023. Os caras vêm fazendo isso com afinco há décadas - sendo até perseguidos por uma ditadura ou outra no meio do caminho. Dentre os meus hábitos esquisitos, escutar sessões do Supremo Tribunal Federal enquanto trabalhava foi um dos mais duradouros. Até hoje recebo mensagens de amigos quando eles vêem algo envolvendo a minha personagem favorita da corte. Hoje em dia meus fones têm estado mais ocupados e não há muitos acontecimentos surpreendentes nas sessões da TV Justiça. Nada que chegue aos pés de "você é uma pessoa horrível. Uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia". Mas, nas últimas semanas, entre minha casa e o trabalho, os fones tocam dois podcasts atuais sobre os últimos anos da política brasileira que chamaram minha atenção.
O primeiro deles, Alexandre, é sobre o ministro popularmente conhecido como Xandão (sério, o Brasil). Eu me lembro do dia em que Michel Temer o indicou para a vaga do ministro Teori Zavascki, morto em um acidente de avião (!), e de como fui para minha aula do mestrado em franco desânimo. A grande notícia, porém, é que Alexandre de Moraes e os demais ministros pegaram algo que está no top 3 coisas detestáveis do Estado brasileiro - o corporativismo do Judiciário - e brecaram mais ou menos na força os avanços autoritários do novo fascismo nacional. Thaís Bilenky, repórter da Revista Piauí e uma das vozes do Foro de Teresina, é quem conta a trajetória política do magistrado, as loucuraiadas de Bolsonaro e Roberto Jefferson contra o ministro, e a garantia dele de que as eleições de 2022 aconteceriam em paz (nem que pra isso ele tivesse que ameaçar de prisão o diretor da Polícia Rodoviária Federal).
O outro podcast é Collor versus Collor, que na verdade é Shakespeare (eu amo falar isso, porque eu não sei praticamente nada de Shakespeare). Fernando Collor de Mello foi o primeiro voto de muitos brasileiros que, ao conquistar o direito ao voto direto, optaram por fazer uma grande bobajada. Comandado por Évelin Argenta, o podcast foca na denúncia feita pelo irmão caçula de Fernando, o Pedro Collor, a partir da descoberta de fitas inéditas gravadas nos anos 90 pela jornalista Dora Kramer. Escuto ansiosamente esperando para ver se o primo deles, o ex-ministro do Supremo Marco Aurélio Mello, que foi o responsável pelas transmissões das sessões do STF na TV Justiça, aparece. Duvido que Shakespeare tenha escrito algo que se pareça com uma família que tem tiro no plenário do Legislativo, o voto mais vencido do Judiciário e impeachment no Executivo.
Maneiro os podcast! comecei a ouvir foro de teresina faz pouco tempo, e ja sou um ouvinte fiel
Vale muito ler Júlio César. Muitooo Brasília. Muito Golpe na Dilma. Ninguém vale nada na peça. O único que tem valores, é o mais tapado, Brutus. E sempre que um dos políticos morre, aparece o inimigo do sujeito para arrancar aplausos do povo se dizendo herdeiro. Como os brasileiros fazem com Brizola, Covas, Ulisses.